sábado, 29 de novembro de 2008

Somos iguais!


É apressado pensar que o direito de um começa quando o do outro termina.
A Imprensa noticiou que em Minas Gerais um empresário foi processado pelo suposto criminoso porque reagiu para evitar assalto ao seu estabelecimento comercial.
Argumentou na queixa-crime que "a ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos" e que houve ofensa a sua integridade corporal. Por fim, fez pedido para que a conduta do agressor fosse enquadrada no tipo descrito no art. 129 do Código Penal (lesão corporal).
O juiz rejeitou a queixa. Considerou o pedido "afronta ao Judiciário", dada a intenção do suposto criminoso em passar de autor para vítima, e arrematou: "Após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o caso de maior aberração postulatória. A pretensão do indivíduo, criminoso confesso nos termos da própria inicial, apresenta-se como um indubitável deboche."
O fato de alguém ter sido vítima de crime não o autoriza a fazer justiça com as próprias mãos.
A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e um dos seus fundamentos é a dignidade da pessoa (art. 1º, III da Constituição Federal - CF). Nossa Carta Maior também assinala que um dos objetivos da República é promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). E no art. 5º, I, consagra: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros a inviolabilidade do direito à igualdade.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem também aclamou que "todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei" (artigo 7).
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é parte, dispõe que todas as pessoas são iguais perante a lei.
O Código Penal brasileiro dispõe (art. 129, caput) ser crime ofender a integridade corporal ou a saúde de outro. Referido diploma também diz (art. 25) que não há crime na legítima defesa (é o estado de quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outro), mas é claro ao dizer (art. 23, parágrafo único) que o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo no uso desse recurso.
O Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou jurisprudência no sentido de que o excesso punível da legítima defesa compreende o meio e a maneira usados para afastar a injusta provocação.
No caso de Minas, se a vítima do assalto buscou garantir a integridade física da sua funcionária e proteger seu patrimônio valendo-se de meios superiores ao necessário ou não os utilizou com moderação, ingressou em conduta proibida e o excesso poderá ser sancionado de acordo com o art. 23, parágrafo único, do Código Penal.
Por outro lado, não cabe reparação civil ao suposto criminoso. É que, apesar do art. 186 do Código Civil preceituar que comete ato ilícito quem, por ação ou omissão voluntária, causou dano a outro, o art. 929 diz que só há direito à indenização do prejuízo se a pessoa lesada não for culpada pelo perigo. Ora, se este foi causado pelo suposto assaltante, ele não possui direito à reparação civil.
Enquanto não assimilarmos a idéia segundo a qual somos todos iguais, continuaremos a pensar que o direito de um começa quando o do outro termina - quando na verdade se confundem - e a supor, ilusoriamente, que temos um direito melhor que o do outro, em nítida desatenção aos princípios da igualdade, da liberdade e da fraternidade.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

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