sexta-feira, 5 de março de 2010

A doença do Brasil


Nosso país está doente. Há muito tempo. Desde o Descobrimento, sofre de corruptibilidade crônica. Não é, portanto, a corrupção. Esta é seu produto visível nas prateleiras dos telejornais e revistas.
Corrupção tem nome, a começar pelas operações da Polícia Federal. Tem cara, cabisbaixa ou arrogante na TV. A corruptibilidade, não. É um estado interior, uma condição de pessoas e instituições que respiram o oxigênio do dolo e da fraude. É a alma de sujeitos cujas inteligências estão à disposição da ilicitude.
É absurdo quanto escândalo temos conhecido depois que os muros da Ditadura vieram abaixo. Nesses 21 anos da Carta Magna, cada aniversário arquiva um catálogo de podridão. São crimes em série. Em quase 100%, atingem políticos ou pessoas jurídicas de direito público.
A corruptibilidade esconde-se atrás da fachada da seriedade. Quem tem o germe dessa peste social geralmente disfarça bem. Tem um contradiscurso pronto. Foi assim que me decepcionei com uma alta funcionária do Tribunal de Contas da União. Ela veio a Belém ministrar um curso sobre controle interno para alguns órgãos públicos. E nos deixou de queixos caídos ao informar a segurança com que lidava com ministros daquela corte. A decepção veio quando vimos a senhora presa, acusada de favorecer empreiteiras nos julgamentos do TCU.
Corrupção é escândalo no Brasil. Mas a corruptibilidade crônica é o que de fato importa. Está no sangue, na cultura política do País. Contamina. É transmitida de pai para filho. De vereador a prefeito. De deputado a governador. Quem está livre do veneno, não quer entrar no ciclo. Quem está infectado, é dependente crônico e luta até o fim por um favorzinho. Imunizados temem se perder nos labirintos do sistema.
A receita para combater a corruptibilidade parece estar nas mãos de doentes terminais. Cinicamente, eles reivindicam esse ofício. Inflam os pulmões para verberar adjetivos de esperança para o País. E, como as melhores vagas são escassas, acusam seus pares do mesmo mal que os faz vestir terno e gravata. São verso e reverso.
Os argumentos são muitos. Não raro, até Deus vira material de propaganda. "Precisamos de representantes no Congresso!" - proclamam alguns religiosos. Aí vêm os "sanguessugas" e escandalizam de vez os que buscam a purificação no sangue de Jesus.
Infelizmente, mau testemunho na política é uma triste constatação no Brasil. Gente que deveria ser exemplo e sal da terra acaba virando piso tosco dos parlamentos. Sim, porque caráter é algo que independe de religião, muito embora o cristianismo seja o berço das leis ocidentais. Mas independe. Tem muito ateu declarado que, sozinho, vale moralmente por centenas de homens escondidos sob vestes clericais. Niemeyer é um deles. Afirma não acreditar em Deus. Mas seu testemunho de humanidade é uma defesa pró-Divindade.
Corruptibilidade. Essa é a peste do Brasil. O germe que está enraizado nas estruturas da Nação e de muita instituição com auréola de santidade por aí. Precisamos combatê-la até a última gota de sangue. Precisamos ter coragem para falar abertamente e quebrar tabus. O mundo globalizado de hoje repudia cortinas. Vivemos uma época de visibilidade na tecnologia. Não é possível que a corruptibilidade consiga nos enganar eternamente. Creio que a sociedade saberá erradicar essa praga. Precisamos. Ou nossos filhos correm sério risco.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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