segunda-feira, 31 de maio de 2010

Um novo dissabor se apresenta


Nesta altura, ninguém mais tem dúvida de que o cenário de relaxamento moral que se dissemina em todos os segmentos da vida pública, seja no Brasil ou no mundo, aquele que mais incomoda é quando esse segmento é o da Igreja.
Não faz muito tempo, em encontro internacional sobre repressão à lavagem de dinheiro sujo, chegou-se à conclusão de que o sucesso de uma operação criminosa dependia muito da criatividade do favorecedor, ou seja, do lavador. Aqui mesmo, no Brasil, já tivemos ações ousadas. De bilhetes premiados comprados por deputado à tentativa de o Timão virar lavanderia gerido por testa de ferro iraniano membro de uma oligarquia russa.
A meta da classe média criminal que precisa lavar e reciclar capitais sujos é, caso sejam usados os canais legais do sistema financeiro, embaralhar e se possível apagar os rastros deixados pela circulação de capitais indecorosos.
Em breve, o papa Joseph Ratzinger terá novo dissabor. Com a chegada, no Estado do Vaticano, de uma carta rogatória com indagações feitas pela magistratura do Ministério Público de Perúgia - na região da Umbria, que faz fronteira com a região do Lázio, onde fica Roma - sobre a lavagem de dinheiro sujo por meio de instituições religiosas e de movimentações em contas correntes no Banco do Vaticano. O Istituto per Le Opere Religione (IOR) nasceu após o escândalo do Banco Ambrosiano, no qual pontificaram os falecidos Roberto Calvi e Michelle Sindona, à época alcunhados de banqueiros de Deus e da Máfia.
À espreita dos magistrados de Perúgia estão a Congregazione Missionari del Preziosissimo Sangue di Gesù e a Propaganda Fide, esta fundada em 1622, para cuidar da evangelização dos povos. A Propaganda Fide detém um patrimônio imobiliário no centro histórico de Roma avaliado em 9 bilhões de euros.
Desta solicitação do tribunal poderão constar também pedidos de quebras de sigilos bancários dos presbíteros Francesco Camaldo e Evaldo Biasini, respectivamente, com 60 e 83 anos.
O Ministério Público investiga concessões de obras e serviços públicos a favorecer uma choldra comandada pelo construtor Diego Anemone e pelo engenheiro Angelo Balducci, possuidor de conta corrente do IOR, membro laico da Propaganda da Fide e ex-presidente do Conselho Superior de Obras Públicas da Itália. Segundo averiguações, a Construtora Anemone restaurou imóveis da Propaganda Fide, além de reformas de igrejas.
Na permuta de obséquios, a construtora, por prestanomes, oferecia apartamentos luxuosos, promovia reformas estruturais e decorativas. Os beneficiários seriam políticos, prelados e altos funcionários públicos, como, por exemplo, o general Francesco Pitorru, carabineiro lotado no serviço secreto, que levou dois apartamentos, e Ercole Incalca, homem forte do Ministério da Infra-Estrutura.
O monsenhor Camaldo goza de prestígio na alta sociedade italiana, tem blog, Facebook e recita orações no YouTube. Em função religiosa é ele quem coloca o solidéu na cabeça de Ratzinger, estica-lhe os paramentos e segura o microfone. Como escriturário, tem o privilégio de participar do secreto conclave de eleição do papa e elabora a ata.
Camaldo abriu as portas do Vaticano para a dupla Anemone e Balducci. Sem saber que estava na mira das investigações, o monsenhor, quando da prisão preventiva de Balducci, deu declarações à imprensa: "É uma pessoa de absoluta transparência moral, conhecida e estimada no Vaticano".
O monsenhor Biasini, responsável pela direção financeira da Congregazione Missionari del Preziosissimo Sangue de Gesù, fez dela, como confessou, um caixa 2 da construtora de Anemone. Por meio de esquema de corrupção, a construtora foi contemplada com as obras públicas destinadas aos encontros do G-8 na ilha de Maddalena, na Sardenha, em 2009, ao Mundial de Natação, em Roma, também 2009, e às futuras comemorações dos 150 anos de Unificação da Itália, em 2011.
Aqui prá nós. Ratzinger deve estar a sentir odor de dinheiro sujo entre as muralhas do Vaticano. Detalhe: Camaldo não foi visto na Praça de São Pedro, em recente encontro convocado em solidariedade ao papa, em face da suspeita de acobertamento de casos de pedofilia.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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