quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A insegurança dos concursos públicos


Ainda me lembro como foi meu ingresso no Serviço Público, no ano de 1983. Naquele tempo, não havia obrigatoriedade de concurso. Mesmo assim, prestei um teste de seleção para ingresso na extinta Sucam, no Amapá. Fiquei em segundo lugar. Coincidentemente, o primeiro da lista era um ex-funcionário, que, arrependido do pedido de exoneração, agora pleiteava o emprego de volta.
A partir daí participei de uma dúzia de concursos públicos, sendo aprovado em todos, não sem antes passar por situações inimagináveis a um candidato simples.
O mais sério vivi em seleções de universidades federais. Concorri a cargos de carreira para professor de Direito Penal e Comercial. Em ambas fui aprovado em primeiro lugar, mas nas duas situações o assento estava reservado. Foi difícil me defender em processos obscuros, onde o Direito Administrativo não existe.
O instituto do concurso público é um dos segmentos mais frágeis da administração pública brasileira. Ao contrário da licitação para compras e serviços, a seleção de pessoal do serviço público não dispõe de uma lei geral, que contemple o mínimo de critérios para dirigir o ingresso nos quadros do governo.
Recentemente, candidatos reclamaram da prova para o cargo de analista da Justiça Eleitoral. Muito embora o programa do concurso tenha exigido praticamente o conteúdo de graduação para algumas matérias (Direito Civil, Penal, Processo Civil, Processo Penal), o teste da Fundação Getúlio Vargas teria se concentrando muito em algumas disciplinas.
Quando um edital não informa a distribuição de questões por disciplina, gera insegurança. Em tese, pode favorecer a terceiros que, de modo ilícito, venham obter informações do conteúdo exigido nas provas. Com base nisso, alguns podem se concentrar em apenas certas matérias. Nessa hora, o instrumento convocatório do concurso serve para desviar a atenção de potenciais candidatos às vagas e como peça frágil de justificativa. Sabemos que vazamento de provas não é novidade no Brasil. Que diga o Ministério da Educação e seu Enem.
Hoje, não sei como as universidades preenchem seus quadros quando precisam de apenas um professor. Na minha experiência, critérios foram alterados pela banca examinadora depois da publicação dos resultados. Fui preterido por políticos e outros apadrinhados. Não adiantou recurso, representação, mandado de segurança. Nada! O que me garantiu a nomeação e posse foi a vontade de Deus, que me falara anos antes que eu seria professor de tais universidades.
Precisamos de uma lei geral para os concursos públicos. Uma norma que estabeleça prazo mínimo para realização de provas, a contar do encerramento das inscrições; número certos de questões para cada disciplina; critérios para escolha de peso; justificativa, no edital, para exigência de matérias demasiadamente técnicas ou fora das atribuições dos cargos pleiteados; fim da exigência de prova de títulos para cargos de nível médio; justificativa para ponderação de certos títulos; impedimento que experiência anterior em cargo semelhante sirva como título, quando essa função é escassa (como no caso de cartórios públicos); improrrogabilidade de inscrições, salvo motivo de força maior ou caso fortuito, devidamente formalizados; proibição de questões tipo "pegadinha" nas provas objetivas; possibilidade de candidatos, e qualquer cidadão, terem acesso aos autos do processo administrativo que instrui os concursos públicos, incluindo aqui o contrato firmado com a instituição realizadora da prova etc.
Precisamos dessa norma com urgência! Concurso público no Brasil virou uma máquina de dinheiro e de insegurança jurídica.

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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)

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