quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sucessão de equívocos lamentáveis


Numa demonstração suplementar até de boa vontade para uma reflexão com o povo brasileiro, poderíamos arriscar e quem sabe, até afirmar, que o primeiro Grito da Terra aconteceu em Canudos, no agreste baiano. Em tempos de fundamentalismo islâmico, convém revisitar e refletir sobre a revolta que se iniciou perto do Rio Vaza-Barris, região setentrional da Bahia - a prova mais plausível de que o fanatismo religioso é capaz de destruir as causas mais justas.
Temos que aprender muito. Canudos é, do ponto de vista histórico, uma continuidade de erros lastimosos. Em primeiro lugar, sem dúvida, a demonstração de que, em seus primórdios, a quase acéfala República brasileira - ou o poder central, instalado no Rio de Janeiro - pouco administrava para além das fronteiras setentrionais das Minas Gerais; e também que o fanatismo religioso é péssimo conselheiro. Não há, aqui, nenhuma intenção de se fazer pilhéria com o nome do líder revoltoso da Fazenda de Canudos. A revolta liderada por Antônio Conselheiro reflete uma triste realidade: a do país esquecido pelos governantes à beira-mar. Uma nação de uma geografia inclemente, povo pessimamente instruído e ausência de Estado - o terreno fértil para um.. conselheiro.
À época, governava o Brasil Prudente de Morais, um republicano e abolicionista de bons princípios, com pouco tino administrativo - e, ainda por cima, tolhido por sérios problemas de saúde. Foi nessa época que se instalou na antiga Fazenda Canudos, ainda em 1893, o sertanejo Antônio Conselheiro, de 65 anos. Em torno de sua pregação foi se formando uma comunidade. Era um sertão nordestino - distante do mar, dos entrepostos de comércio, dos principais jornais. No sertão baiano, a alternativa era contar com a “generosidade” e a modernidade das máquinas adquiridas por uma elite de “coronéis”. E pelo socorro nem sempre em tempo das obras caritativas da Igreja Católica. Tratava-se de um Brasil esquecido.
A própria geografia do norte da Bahia era um castigo, e um líder místico e aparentemente poderoso transformou a comunidade de Canudos em polo de atração para os migrantes menos preparados para sobreviver no sertão baiano. Conselheiro e seus devotos proclamavam a salvação da alma - e o povo tinha fé que seu messias o ajudaria a resistir. Em 1896, o arraial de Conselheiro tinha um ajuntamento de 4 mil famílias. As compras de artigos vindos de fora logo passaram a incluir armas, mosquetões e pequenos revólveres. Esse parco arsenal era para equipar as milícias para defender o arraial das investidas do governo baiano.
O verdadeiro motivo dos movimentos rebeldes nos campos brasileiros é a estrutura da sociedade brasileira. Como modificar a estrutura da sociedade brasileira, se ela é protegida e garantida pela política, pelas forças armadas, pelos grupos conservadores e por todos os poderes públicos? Mas só hoje começamos a aprender de Conselheiro. Ademais, até na visão de quem está de fora sobre um fenômeno tipicamente brasileiro. Mas não brasileiro das cidades, não um fenômeno urbano. Um fenômeno do campo, eivado de miséria, desencanto e fanatismo religioso. Algo que soa muito parecido a certas explosões de violência dos nossos dias. Todos, no Brasil, conhecemos Canudos. A rebelião dos sertanejos baianos. É um dos episódios mais fascinantes da história brasileira. “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, é uma obra-prima. A lição de Canudos, sempre atual.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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