quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sentimentos trancados num baú emocional


Desnudando um passado misterioso, o livro: “Conversas com Albert Speer”, do historiador Joachim Fest (1926-2006), biógrafo de Adolf Hitler, inquire Speer, então arquiteto-chefe, ministro do Armamento do Terceiro Reich, confidente de Hitler e um dos poucos lideres nazistas a escapar da condenação à morte em Nuremberg. Depois de 20 anos na prisão, por volta de 1966, resolveu publicar suas memórias. O editor Wolf Siedler convidou o historiador Fest, para ajudá-lo na tarefa de editar os desordenados manuscritos. De qualquer forma, é um livro cheio de revelações, com excelente material para calibrar os julgamentos morais do passado.
Situado em posições políticas opostas e vocacionado ao jornalismo, Fest pertenceu a uma competente geração de historiadores alemães, pioneira no uso de métodos das ciências sociais na pesquisa histórica. A diferença é que Fest foi muito mais profundamente marcado na juventude pelos traumas da ascensão do nazismo. Com o pai posto na miséria por causa de sua firme resistência à sedução nazista, no início dos anos 1930, Fest, à época, com 18 anos incompletos, viu-se engajado de maneira compulsória na Wehrmacht, tornando-se, meses depois, prisioneiro dos aliados.
Mas foi no pós-guerra, quando já havia testemunhado grande parte daquele cenário moralmente corroído, que compôs sua bagagem intelectual: estudou História, Direito, Sociologia, Literatura e Arte. Formação variadíssima, afinada com as várias linguagens. Como outros historiadores de sua geração, era um cultor nato da erudição.
Historiador com vocação de repórter, Fest dispara um verdadeiro interrogatório sobre o arquiteto, inquirindo sobre sua passividade e seu silêncio em vários episódios decisivos da Alemanha nazista, como o da Noite dos Cristais, o massacre dos judeus em novembro 1938. O tópico mais incômodo é quando Speer quer provar que não estava presente quando Himmler fez o famoso e apavorante discurso de outubro de 1943, em Poznam, quando o comandante da SS falou publicamente, e com brutal franqueza, sobre o extermínio dos judeus. Speer utiliza-se de duas testemunhas para provar que não estava lá. Mas Fest vai atrás, esmiúça tudo e consegue provar a idoneidade dos dois testemunhos.
Não era chegado a desvendar intrigas de relacionamentos pessoais. Contudo, sempre competente em reunir provas detalhadas. A sugestão de um relacionamento homoerótico entre Hitler e Speer é a mais polêmica delas. Dias antes do suicídio de Hitler, Fest inquire: “Você tomou um avião rumo a Berlim para se despedir de Hitler?” Resposta de Speer: “Ainda hoje me sinto infeliz que Hitler estivesse tão conciliador e não tivesse dado ordem a um pelotão de fuzilamento para me executarem no jardim da chancelaria. Minha vida teria um fim mais digno”.
A parte mais importante é a revelação de detalhes dos projetos arquitetônicos nazistas. O “princípio das ruínas”, explicitado por Speer numa conversa com Hitler, consistia em construir edifícios enormes, monumentais, predestinados à destruição. Formariam, assim, ruínas peculiares e pitorescas. A obtusa teoria do “valor da ruína” seria criar ruínas que durassem mil anos e, com isso, pudessem dominar a transitoriedade e a efeméride do mundo, foi uma elaboração mental que uniu o entusiasmo de Hitler com os planos ambiciosos do jovem arquiteto. Fest acreditava que a corrupção moral de Speer tinha raízes em seu apego emocional por Hitler. .
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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