quarta-feira, 27 de junho de 2012

Débito ou crédito?


Algumas expressões modernas do cotidiano carregam boa carga de sabedoria. Quem já não ouviu a perguntinha acima? Muito de nossa vida parece estar ligado a uma noção contábil de débito ou crédito.
Terminada a Rio+20, não temos outra conclusão: os poderosos continuam em terrível débito com o planeta. Dívida impagável. Mortal. Insana. Pois ninguém que faça uso da razão guarda dinheiro dentro de uma casa a desmoronar. Muito menos quando a própria fortuna atrai essa desgraça. Estados Unidos, Japão, China, Europa... Infelizmente, todos nós podemos receber o castigo desse débito.
Relações familiares também se explicam muito pela resposta à perguntinha insistente. Maridos gostam da estabilidade do lar. Casa, comida e roupa lavada. Porém, quantos têm crédito com suas esposas? Quantos podem responder que, apesar de não terem dinheiro na conta, carro novo e outras benesses, têm amor e respeito pelo que verdadeiramente são? Crédito.
E o que dizer de algumas esposas? Às quais, nada lhes falta, contudo têm o gene da ingratidão? Têm um marido trabalhador, honesto e verdadeiro pai, porém, vivem sempre no débito. Reclamam. Descreem. Murmuram.
Entre pais e filhos, difícil estes os superarem em crédito. Todavia, quantos filhos vivem sempre no vermelho nessa relação, pelo acúmulo constante de “dívidas”?  Grosserias. Desonras. Ingratidão. Se pais fizerem a repetitiva pergunta toda vez que forem demandados, muitas vezes responderão “débito”, “débito”, “débito”.
Na convivência de irmãos, quanto desequilíbrio dessa contabilidade! Há alguns tão distantes, frios, nada participativos... mas, por incrível que pareça, acham-se merecedores de crédito. Não têm. Dão-se bem porque encontraram anjos no seu caminho e porque cristãos amam sem nada esperar em troca. Mas haja débito!
A vida como um todo é uma inquirição de “débito ou crédito”. À medida que o tempo passa, vamos sendo demandados a prestar contas. Quem levou a sério os anos na faculdade, ao caderno de provas carrancudo responderá afirmativamente: “Crédito. A vaga é minha!” Assim será no trabalho, na vizinhança, no relacionamento entre amigos.
Quantos não têm débito com a própria saúde? Comem sem regra. Não praticam exercícios. Transgridem as leis do corpo. Sabem tudo, mas nada fazem para perder uns quilinhos. Gostariam de estar em forma, mas não querem suar a camisa nem perder o horário da novela. Enfim, quando chegam as enfermidades sob encomenda, a pessoa chora, querendo passar mais alguns verões. Nessa hora, o velho e cansado corpo faz a fatídica pergunta. E a resposta todos já sabemos: muitos não tinham crédito mesmo.
Quando se chega à velhice, é de esperar que o nosso crédito esteja bem elevado. Fomos pessoas de bem. Trabalhamos. Vivemos honestamente e sabemos perdoar. O governo diz que sabe disto, razão por que concede alguns benefícios a essa faixa etária: aposentadoria, gratuidade no transporte, prioridade nas filas e nos julgamentos. Mas, na verdade, é a vida como um todo que nos cobra. Quando vai se aproximando o ocaso, é hora de responder ao mundo que nos hospedou como está a nossa situação. Então, seguimos viagem.
Quando achamos que tudo tinha terminado, de repente estamos diante de uma porta estreita. Tentamos passar de primeira, mas não dá certo. Hora do acerto de contas. Um homem sério, vestido de branco, chama um anjo e dá-lhe ordem para ver o nosso arquivo. Daqui a pouco, volta o emissário, morto de cansado. O porteiro, decidido, resolve de vez o drama: “Crédito ou débito?”, grita. Melhor a gente pensar um pouco.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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