quarta-feira, 25 de julho de 2012

Todos nus


Vivemos tempos de revelação. Câmeras escondidas e declaradas nos espreitam o tempo todo. Bancos brincam de polícia e ladrão. Polícia arma tocaias a distância. Supermercados. Lojas. Shoppings. Viramos peças de uma grande vitrine virtual.
Difícil escapar do olho mágico. Em quase todo lugar, uma câmera segue nossos passos. Sem desmerecer essa ferramenta, o que é segurança para alguns pode ser invasão de privacidade de outrem. Certo amigo estava em um supermercado, absorto em suas compras, quando de repente alguém aparece do nada, saudando-o em tom de festa: “Gustavo, meu jovem, quanto tempo! Dá aqui um abraço! Como vão as coisas?” O outro, sem compreender nada, quer saber mesmo como foi localizado. E a resposta é: “Trabalho aqui, na área de segurança, e estava acompanhando você no circuito interno”. Veja só!
A grande questão da captura de imagens é o que se pode fazer a partir delas. Chefes podem criar um ambiente constrangedor. Se há câmeras espalhadas pela empresa, sobretudo em locais de pouca mobilidade - como salas de escritórios - a situação tende a se complicar. Empregados passam a ser vigiados como criminosos na prisão. Um chefe nada preparado pode virar um maníaco, capaz de anotar quantas vezes o empregado se levanta para ir ao banheiro (graças a Deus, sem câmera visível) e quantas vezes fala com o colega. E aí vem tudo mais: gestos, postura, tosse, espirro... A lista é interminável. Não dá nem para contar um segredinho ao companheiro de cela: mesmo sem áudio, a câmera permite leitura labial. Dá para medir a disposição, o uso do celular, o riso, a raiva, a fala, o silêncio, a felicidade em trabalhar, a revolta com o salário e contra o próprio chefe, que isto finge não ver.
A sociedade brasileira é adepta do voyeurismo: adora ver o que outros fazem, mesmo quando estes sabem que estão sendo rastreados. Eis o sucesso dos reality shows. Mesmo uma realidade montada e premiável interessa. É impressionante o poder de uma câmera indiscreta. Interessante que seja capaz de atrair tanta gente. Atrai porque a tecnologia só aguçou a nossa curiosidade. Não mudamos nada com o passar dos séculos. A facilidade de visualização em nosso tempo nos tornou mais curiosos.
Na verdade, o que nos cobre e nos separa uns dos outros é mínimo. Tecnologia polêmica de algum aeroporto já enxerga tudo. Aí, a visão está ampliada. Raios-x. Mesmo assim, em nada isto se aproxima da capacidade divina de enxergar. A transparência é uma das leis mais antigas da Revelação. Por ela, nada se faz para ficar oculto. Tudo existe para ser revelado.
Quando viajo de avião durante o dia, em poucos minutos a realidade começa a mudar. Eu, que vivo num pedacinho de chão de Belém, de repente perco tudo de vista. Enquanto o avião ajusta a posição de voo, eu já vou perdendo o alcance de tudo. “Cadê a casa onde moro, as árvores, as ruas?...” Tudo sumiu. Um tapete branco de nuvens agora é o meu chão. Dá vontade de pisar.
A visão de Deus é tão perfeita que ele não enxerga as nossas construções. Decorridos milênios de virar e revirar a terra, e ele permanece vendo sua criação original. A roupa existe para nossa convivência. Ele enxerga as coisas como exatamente são. Montanhas. Planícies. Desertos. Animais e vegetais. Na Carta aos Hebreus, está dito que não há criatura alguma encoberta diante dele; antes, todas as coisas estão descobertas e patentes aos seus olhos. Amor. Ódio. Bondade. Vingança. Justiça. Iniquidade. Não podemos mesmo nos esconder. Se escaparmos das câmeras da Terra, ainda assim seremos monitorados pelo Céu. Estamos todos nus.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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