segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Uma experiência revolucionária


Mesmo percebendo o enredo de muitos fatos que a história nos tem permitido tomar conhecimento e nos leva muitas vezes a desconhecer a imagem que emoldura determinados acontecimentos, muitos autores proferem suas “insofismáveis” colocações. Restam, apenas, nossas particulares observações. Diante de uma liturgia que nos exorta a rejeitar tudo quanto pode nos afastar das excrescências do mundo político e nos estimula a edificar o próximo, não é descabido propor um exame de consciência.
O mundo de hoje está sem destino, encharcado e transbordante de escândalos por todos os cantos. Vivem-se surtos de imoralidades e traquinices. A história é escrita pelo homem, portanto, não está livre de falhas. Os grandes acontecimentos históricos não se devem inscrever apenas como um mero registro de fatos e datas, sem entusiasmo.
Na sua história, a Revolução Francesa é a mais compreensiva do grande cataclismo que assolou e subverteu a França do século XVIII e a Europa. Depois da preponderância na Europa da Corte de Luís XIV, a França conservou essa influência, já não pela realeza, degenerada, decrépita, gangrenada, sob governos de nobres e cardeais devassos, de concubinas, mas pelo pensamento francês, pela sua literatura e pelo seu gênio.
A lição da Revolução Francesa produziu um espasmo 82 anos depois, uma experiência revolucionária na França em março de 1871. Paris não se entregou à Prússia e se revoltou. Os insurgentes tentaram formar um governo popular, mas que logo foi esmagado por Adolphe Thiers, chefe de um governo oficialmente baseado em Paris. Foi a primeira revolução socialista do mundo, além do movimento operário que marcou o final do Segundo Império, a Comuna de Paris teve como motivo principal um sentimento nacional de revolta contra um governo que havia capitulado diante do inimigo, que passou a ocupar o país. Nesse sentido, ela foi a filha da Constituição de 1793, que proclamava o “direito à insurreição como o dever mais sagrado e o mais indispensável”.
A cidade fervilhava de reuniões. Surgiram muitos conflitos internos. Ademais, as rivalidades entre fortes personalidades acentuavam frequentemente os problemas. Paralelamente, a Comuna dedicou-se a estruturar uma nova sociedade, com ações em vários campos. Na saúde, por exemplo, reorganizou a assistência pública. Doentes e enfermos receberam durante aqueles poucos meses um tratamento que não se via desde a Revolução Francesa. O ensino foi reorganizado. A Comuna proclamou a igualdade de salários para homens e mulheres, e aboliu a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Decretou a separação da Igreja do Estado. Podem parecer irrisórias, mas foram o testemunho de um olhar global sobre a sociedade.
Mas a pressão militar falou mais alto. Os massacres que não poupavam mulheres e crianças. Em retaliação, a Comuna executou sumariamente conservadores da sociedade francesa, religiosos, juízes, o arcebispo de Paris, Georges Darboy, e o presidente da da Suprema Corte, Bernard Bonjean. A justiça veio em seguida, com processos julgados às pressas por conselhos de guerra: condenações à morte, prisões, deportações, banimentos. Não faltou nada para punir o que Thiers chamou de “o atentado de Paris”.
Mas Thiers estava enganado. O socialismo, efetivamente atingido em 1871, não sucumbiu. E seu renascimento seria longo e difícil. Ele ressuscitou com outras bases e a Comuna de Paris teve um papel preponderante na França.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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