terça-feira, 7 de outubro de 2014

Premiação a criminosos


Desde muito tempo, a criminalidade profissional tem suas vantagens. É só entregar os beneficiários dos malfeitos que tudo fica mais fácil. Li em revista de circulação nacional que por volta de 1853 o filósofo alemão Rudolf von Ihering cogitou, ao refletir sobre o tema política criminal,da premiação a criminosos (isenção de pena, sanção mínima, manutenção do patrimônio suspeito, etc.) em troca de delações de utilidade social. A propósito, Ihering escreveu o seguinte: “Um dia os juristas vão se ocupar do direito premial. Isso ocorrerá quando, pressionados por necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do Direito, isto é, fora da mera faculdade e do arbítrio, e terão de delimitá-lo com regras precisas, nem tanto no interesse superior da coletividade”.
Em pleno século XX e por pragmatismo não previsto em lei, a polícia dos Estados Unidos e os procuradores fechavam informais acordos com suspeitos e delações substanciosas eram compensadas com esquecimentos de delitos. No Brasil, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Distribuição da Petrobras, transacionou com o Ministério Público e se aguarda a homologação judicial, que será limitada ao exame da legalidade e não da conveniência e oportunidade do acordo. Agora, o doleiro Alberto Youssef deverá trilhar, pela segunda vez, o mesmo caminho. O que o doleiro pode entregar? Ao detalhar a procuradores como funciona o esquema de lavagem de dinheiro e pagamento de propinas a políticos, Youssef ameaça dobrar o tamanho da lista de ministros e parlamentares delatados pelo ex-diretor da estatal.
Acredita-se que o doleiro Youssef deverá fazer uma “confissão total dos fatos” nos depoimentos que prestará nos próximos dias. Youssef será ouvido a partir de um acordo de delação premiada, na qual dirá o que sabe aos investigadores em troca de redução da pena. Esse acordo precisa ser aprovado pela Justiça, algo que ainda não ocorreu.
Já o ex-diretor da Petrobras firmou um acordo de delação premiada no qual acusou uma série de políticos da base do governo da presidente Dilma Rousseff de receber dinheiro desviado de contratos irregulares da Petrobras. Em razão do acordo, Costa usa no tornozelo uma coleira eletrônica e já está em prisão domiciliar. Depois, aguardará a conclusão do caso em liberdade e poderá ter eventuais penas judiciais reduzidas.
Youssef é um homem bomba, que simulou mais de 3,5 mil operações de importação e exportação que movimentaram bilhões. Para escapar dos vários processos em que é réu, o doleiro tem a intenção de revelar como o esquema financeiro paralelo criado desde a época do mensalão, em parceria com o falecido deputado José Janene (PP), continuou abastecendo contas particulares de partidos e políticos. Pelo papel central que detinha na organização criminosa herdada de Janene, morto em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) espera que Youssef contribua também para a compreensão mais ampla de um esquema que drenou uma dinheirama não apenas da estatal, mas dos Ministérios de Minas e Energia; das Cidades; da Integração; da Saúde; e dos Transportes, além de bancos públicos e estatais elétricas.
Nesse maxiprocesso, a dificuldade dos procuradores é que não há mais “saques na boca do caixa”, como no mensalão. O pagamento de propinas ficou mais refinado. Em conversas informais que levaram ao acordo de delação, o doleiro explicou que a Bolsa de Valores tornou-se um dos melhores ambientes para fraudes financeiras. A matriz energética brasileira concebida à época por Janene, e Dilma era ministra do setor, tornou-se uma grande bolha de especulação, um campo fértil para fraudes. O dinheiro desaparece após uma série de incorporações feitas por empresas de investimentos, participações ou holdings financeiras controladas por empresas do comércio exterior em paraísos fiscais. De se observar que os delatores serão testemunhas de acusação nos processos criminais abertos contra os delatados.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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