segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Nos confins entre a realidade e a fantasia



É isso mesmo que você pensou: estamos exauridos e fartos dos velhos manuais de redação. Escrever é uma questão de estilo. Todos sabem por que escrever é tão difícil. Quais as armadilhas mais comuns e como superá-las? O bom texto acredita esse velho escriba, é aquele que se escreve com estratégia que dão clareza e coerência; um texto deve ser simples e enxuto, palavras usadas pelos jornalistas. Mas nem tudo que é escrito e contado é considerado verdade e põe em evidência um fenômeno peculiar: a transformação de um ou mais personagens em uma entidade de fronteira entre a realidade e a fantasia.Em seu leito de morte, o famoso aventureiro veneziano Marco Polo (1254-1324) foi instado a tomar uma derradeira providência: admitir que mesclara diversas histórias fantasiosas com os fatos reais narrados em seu livro de memórias.Ainda em vida, Polo se tornara famoso graças aos relatos de suas viagens reunidos em “Il Milione” – conhecido no Brasil como “O Livro das Maravilhas”. Seria ingênuo, no entanto, denunciar tais liberdades como um atentado à veracidade histórica. Está-se diante, afinal, de um personagem cuja biografia foi tão romantizada que se faz impossível separar os fatos da ficção: o mito tornou-se exponencialmente maior que a figura de carne e osso.Aliás, Marco Polo é só uma gotinha em um imenso oceano de vultos de reputação nebulosa. Assim, temos vultos históricos cuja biografia funde mito e realidade. El Cid (1043-1099), o mito do cristão fervoroso que livrou seu país dos muçulmanos. Na verdade, foi um mercenário que lutou, sem peso na consciência, tanto ao lado dos cristãos como de seus inimigos; Henrique VIII (1491-1547), na imaginação popular era um monarca libertino e que gostava trocar de mulher, livrando-se das ex de forma cruel. Na verdade, foi um rei culto e humanista. Seu rompimento com a Igreja Católica teve urgentes razões sucessórias, bem mais complexas que o simples desejo de se divorciar para correr atrás de outro rabo de saia; Billy the Kid (1859-1881), pistoleiro americano ilustra uma categoria pródiga: a dos meliantes cuja biografia foi colorida por certo romantismo. Entre as fantasias a respeito de sua trajetória, a maior – criada por um jornal sensacionalista – é que teria matado 21 homens em seus 21 anos de vida. Na verdade, foram quatro; Lawrence da Arábia (1888-1935), Na 1ª Guerra, a Inglaterra valeu-se do aventureiro galês para estimular o levante dos árabes contra o domínio turco. A lenda tornou-se maior que a pessoa graças ao relato de suas proezas por um jornalista e ao livro de memórias de T. E. Lawrence, “Os Sete Pilares da Sabedoria” – inspiração um bocado fantasiosa.
Agora, em pleno século XXI, o governo quer fazer da realidade uma página fantasiosa no imaginário popular. Nossa estatal mais importante é a empresa mais endividada do planeta, no valor de US$ 135 bilhões. Mesmo com tanta roubalheira, ainda prolifera um discurso radical, intolerante, movidos pelo sentimento de “nós contra eles”, comuns entre aqueles que querem atribuir aos outros a responsabilidade pelos próprios males. O governo navega por mares turbulentos, mas quer passar a imagem de mar de “almirante”. A empresa holandesa SBM disse que ganhou US$ 25 milhões para apressar a inauguração de uma obra da Petrobrás; Venina Fonseca subordinada a Paulo Roberto Costa, afirmou que alertara Graça Foster sobre a corrupção na Petrobras e a presidente da estatal ainda diz que a denunciante não foi clara. Pode?
Chega de fantasiar a realidade diante de tantas provas. Complexo é uma palavra que descreve muito bem o esquema de corrupção montado na Petrobras. A corrupção é um mal antigo, uma cancerosa massa expansiva que não é só privilégio dos maus brasileiros. É o que pode ser constatado nas denúncias contra multinacionais que fizeram obras para o governo. Punição, sim, para corruptos e corruptores. Ufa!
A todos, um feliz Ano Novo!

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SERGIO BARRA é médico e professor

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