domingo, 5 de julho de 2015

Walmir Botelho D'Oliveira



Walmir Botelho D'Oliveira.
Walmir Botelho.
Meu amigo Walmir.
Tomar conhecimento de seu falecimento, na noite deste sábado, aos 67 anos de idade, foi mais do que renovar a certeza de que nos abalamos com esses eventos porque nascemos para viver, e não para morrer - muito embora a morte seja a coisa mais certa nesta vida.
Foi muito mais do que isso.
A partida de Walmir é mais um evento que extirpa, do jornalismo do Pará, uma de suas mais qualificadas expressões profissionais, que se fez notória e respeitada não em decorrência de celebrizações midiáticas de hoje, mas porque cultivou a noção, básica e elementar, de que jornalistas não devem ser a notícia, mas simplesmente transmiti-la da maneiras mais fiel e objetiva possível.
Nestes tempos em que jornalistas, eles próprios, adoram celebrizar-se, alçando-se aos panteões das redes sociais com uma autoestima que faria qualquer Narciso corar de vergonha e sentir-se o mais humilde e recatado dos seres, Walmir Botelho era um peixe fora d'água.
A foto dele que você vê nesta postagem e foi divulgada pelo jornal Amazônia, registrada pelo repórter e velho amigo Raimundo Dias, o Zero, é certamente uma das pouquíssimas - senão a única - que devem estar disponíveis nos arquivos de O LIBERAL.
Walmir odiava os holofotes. Odiava expor-se. Em vez da sala das redações, preferia a cozinha, preferia trabalhar o seu ofício sob o quase anonimato, certo de que o leitor, esse sim, deve ser privilegiado e tratado como o grande e único destinatário do que nós, jornalistas, fazemos.
"A gente só dá importância ao que acontece na nossa porta", dizia-me várias vezes, Foi esse princípio que ele implementou em O LIBERAL, ao aumentar a visibilidade e conferir um melhor tratamento ao noticiário local, ou de cidades, como costumamos dizer.
Responsável por aquela que talvez tenha sido a maior reforma gráfica implementada no jornal, emprestando a O LIBERAL a cara que tem hoje, Walmir aliou sua experiência de diagramador (hoje pomposamente chamado de designer gráfico), função que primeiramente exerceu no jornalismo, à do editor que deve conferir à notícia a relevância adequada e sempre sintonizada com a linha editorial do veículo.
Com Walmir, convivi diariamente, e muito, mas muito proximamente, durante cerca de 20 anos. Jamais conversamos em outro ambiente - literalmente nenhum outro - que não a redação. Mas foi lá, nas noites e madrugadas, que travamos um relacionamento que ultrapassou o sentido profissional e firmou-se, verdadeiramente, como uma relação de amizade, confiança e lealdade.
Avesso, conforme já mencionado, a badalações, exposições e celebrizações, Walmir era, com a maioria de seus interlocutores, quase monossilábico. E quanto mais monossilábico, mais ele rabiscava a folha de papel - qualquer uma - que estivesse à sua frente, enquanto ouvia o outro falar.
Por várias vezes, eu me divertia, quando estava em sua sala, ao vê-lo falar ao telefone.
- Hum! - era apenas o que se ouvida Walmir dizer repetidamente e de forma esparsa, durante os momentos, às vezes 10, 15 minutos em que duravam as ligações.
Era uma sucessão de 400 mil hums, até que vinha o arremate:
- Tá bom. Depois a gente conversa - era a expressão usada para encerrar aquele diálogo, digamos assim, tão palpitante.
Monossilábico por natureza, Walmir era divertidíssimo, todavia, com alguns que tiveram mais o privilégio de sua consideração, entre os quais o repórter aqui se inclui.
Aprendi com ele a "ver com bons óculos", conforme me dizia sempre, situações delicadas que precisavam ser conduzidas com habilidade redobrada. "Vê lá como administras isso", era só o que me dizia, Mas a tradução dessa ordem era a seguinte: o bicho tá pegando!
Walmir tinha um humor rascante, cortante, ferino quando se referia, em nossas conversas privadas, a personalidades e personagens - sobretudo da política paraense - que se acham o suprassumo dos suprassumos.
Demos muitas e boas gargalhadas, ele relembrando causos que enfrentou, sobretudo quando trabalhou por muitos anos em Brasília, no Correio Braziliense, sua última etapa profissional antes de retornar a Belém para trabalhar inicialmente na Folha do Norte e posteriormente em O LIBERAL.
Comecei a associá-lo como se fosse o imperador do carimbó de Maracanã, sua terra natal, e passei a chamá-lo de Verequete, referência a Mestre Verequete, um dos ícones da cultura musical paraense. Em resposta, passou a chamar-me de Marabaixo, referência ao ritmo amapaense que, insistia ele, eu teria disseminado em Santarém, onde nasci.
Por mais de 15 anos nos tratamos assim. E na redação, muitos até entraram na onda:
- Mano, o Verequete está te chamando - diziam-me colegas muitas vezes.
Era ele, Walmir, quem me chamava.
- Vai lá com o Marabaixo e entrega isso pra ele - recomendava.
Pois o cara chegava até mim e me entregava.
Walmir vai fazer falta. Muita falta.
Já está fazendo.
Mas essa é uma daquelas contingências - inescapáveis e inesgotáveis - da vida.
À Nara, sua companheira, e a seus filhos Adriano, Bruno, Flávio e Fernando, um forte abraço. E a certeza de que temos de continuar.
Ou para usar a expressão do Walmir, temos que administrar isso.
Temos mesmo!

4 comentários:

Anônimo disse...

Lamento a morte tão precoce do Walmir, afastado da redação por doença já há bastante tempo. Homem da cozinha de jornal, pouco apareceu, como é próprio do ofício. Mas foi um dos melhores fechadores de edição que já conheci, um excelente editor gráfico. Minha solidariedade à família. Lúcio Flávio Pinto

Anônimo disse...

MANO! Acho que algum poeta já deve ter escrito que saudade é para quem sabe ter. É para quem sabe que viver é um dom exclusivamente de que passou por esta vida e viveu, literalmente, como diria Vinícius. Quem saberia dizer o horário certo que esta vida fecha as portas na nossa cara e nos exclui dela??? Assim seria fácil: Bastaria agendar tudo e deixar o melhor para fazer depois de tudo pronto, esperando as cortinas baixarem indicando o final do espetáculo. Mas a vida é complicada e por vezes nos tira de cena quando nem começamos!

A sua competência, como ele mesmo dizia, era tamanha que ele nem tinha medo de sair antes de deixar um excelente trabalho concluído. Não tinha esse medo, afinal: "Onde eu sentei vocês não põem o nariz", dizia, às vezes. Mesmo esta rispidez pode indicar um homem extremamente carinhoso, pois não é aquele que ralha senão alguém preocupado com quem está tentando caminhar - e errar ou acertar?

Meu pai sempre foi uma pessoa meio geniosa, mas muito carinhosa, de quem eu adorava estar perto, qualquer que fosse o momento. Não pude estar nos últimos minutos de vida, mas sabia que aquilo estava por acabar. A doença nos cansa a alma, os problemas, as aporrinhações, a própria vida cansa. E cansa tanto a matéria e a máquina que esta vai se desligando pouco a pouco, depois de atingir o ápice. Dizem que as pessoas que enfrentam e conhecem o outro lado saem tão maravilhadas que não querem voltar mais de lá. Talvez tenha sido isto que tenha acontecido de verdade.

Ele passou por este plano deixando muitos inimigos, decerto que é verdade, mas também deixou muitas pessoas que lhe queriam bem tanto que oraram por toda a sua existência pelo bem dele, extirpando de seu caminho as maldades que desejaram aqueles que não tem um bom coração - ou uma boa marca para deixar. Para todos estes, eu, com o pouco que conheço da vida, só posso sentir muito. Para estes, digo que o desencarne pode ser uma coisa de apavorar qualquer um!

Quem faz o bem e o deseja até o último suspiro, este estará nas graças de Deus. Ainda que tenha cometido muitos erros. Somos imperfeitos, afinal!

Finalizo com uma frase do meu amigo Holanda, falecido em dezembro de 2004, no qual ele relata no livro "A cor da Saudade" e que eu acho que cai bem com o momento:

"- E eu, o que faço desta vontade danada de viver?

- Dormi, sonhei, morri... Talvez. Quem sabe?"

Descanse até que Deus lhe cure totalmente dos últimos resquícios da doença que o vitimou na Terra, meu pai! Depois você volta e empresta seu bom coração aos que ficaram, morrendo de saudades!!!

Thales Bruno D'Oliveira

Poster disse...

O comentário abaixo é do jornalista Edir Gaya, que encontrou dificuldades para incluí-lo na caixinha e pediu ao próprio poster para fazê-lo.

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O Walmir era um sujeito difícil de a gente se afeiçoar a ele, mas aprendi a admirá-lo justo pelo fato de ele ser uma pessoa surpreendente. Uma vez, eu fechava a coluna de cartas e, no meio de dezenas, havia uma escrita por jovem jornalista, recém-formada, nordestina, pedindo oportunidade de trabalho. Comentei com um colega, em tom de blague: “vou levar ao Walmir e exigir que ele contrate a moça”. Me limitei a entregar a carta, dizendo apenas: “olha, chegou essa carta e é pra ti”. Alguns dias depois, ele autorizou chamarem a garota, que se destacou como repórter e, ao menos para mim, como uma querida amiga. Hoje está na Embrapa do Amapá, a Dulcivânia Freitas, da Paraíba. O tirocínio de Walmir soube identificar, naquelas poucas palavras escritas, uma jornalista arrojada, trabalhadora, de talento e de caráter.

Em outra ocasião, eu editava o Magazine e recebia, por recomendação da direção da empresa, representantes de instituição financeira que incentiva a cultura para promover a marca e reduzir a mordida do Leão. Mostrava a redação a eles e o Walmir se aproxima. Para fazer média com eles e com o chefe, apresento o moço enfatiotado e a senhora emperequetada ao diretor da redação, informando a ele alguma coisa sobre o "papel relevante do banco no incentivo à nossa cultura". E ele, sem alterar a voz e a expressão sardônicas, fulmina: "não fazem nenhum favor. Cobram juros escorchantes dos brasileiros!". E deixou-nos, tranquilamente, a todos com a cara no chão. Para administrar aquilo, ponderei com os dois perplexos agentes culturais bancários: "deve ser algum problema com o cheque especial".

Francisco Sidou disse...

O belo texto do PB e o relato do Edir Gaya dão bem uma ideia do talento e de sua notória capacidade profissional do Walmir Botelho D'Oliveira. Tive poucos contatos com ele quando exercia a função de assessor de comunicação do Banco da Amazônia e ele já editor responsável pelo "O Liberal". Polido e reservado, escondia na sua aparente timidez uma forte personalidade. Olhava seu interlocutor olhos nos olhos, como a prevenir que não aceitaria qualquer versão para o fato relatado, característica dos grandes profissionais que zelam pela veracidade da informação. Uma vez até me convidou para trabalhar em "O Liberal", mas declinei do honroso convite, pois na época trabalhava de dia no Basa e estudava à noite na UFPA. Walmir sai da vida mas entra para a história do jornalismo paraense como um de seus mestres eméritos ao lado de Cláudio Sá Leal, outro grande jornalista que não gostava de holofotes nem de salamaleques bajulatórios, porque falsos. Ambos também são remanescentes de um espécime quase em extinção, o jornalista da cozinha (como lembra PB) que a, exemplo dos grandes chefs, recebem como maior recompensa de seu trabalho a satisfação dos comensais ou a repercussão entre os leitores de suas matérias bem elaboradas e isentas de "contaminações". Caso exista um Sistema Celestial de Comunicação, certamente Walmir Botelho e Sá Leal já se encontraram e estão em ação na busca incessante de inovações e mudanças, sob a batuta do empreendedor Romulo Maiorana.