segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Crise leva à ansiedade e à depressão


De tempos em tempos, aparece algo para mudar nossa forma de pensar e ver o mundo. E nem precisa deitar no divã para entender. Quando se usa o termo opinião pública, é preciso entender que ele possui duas dimensões. E que entre eles pode coexistir uma contradição. A primeira dimensão diz respeito às atitudes e comportamentos conjunturais. São emoções, opiniões, modos de pensar e agir em relação ao presente. É volátil e desestruturada, e não estabelece compromissos com o conteúdo. Em um dia, pode-se estar furioso com alguma coisa. No outro, muito contente.
A segunda, ao contrário, tende à estabilidade e à estruturação, com uma referência de tempo maior e menos sujeita à influência dos acontecimentos imediatos. As identidades são um de seus elementos mais importantes. Elas demoram a se formar e a se modificar. A interação entre essas duas dimensões fica clara nas situações em que uma delas, por qualquer razão, é muito pequena, como aconteceu no País logo após o regime militar. A ditadura havia abolido os partidos e sido incapaz de criar novos, o que fez com que retornássemos à democracia com uma opinião pública desestruturada, sem identidades e presa de maneira intensa à conjuntura.
Hoje, muita coisa se parece com as interações dessas dimensões. Nosso povo anda sofrendo e vivendo dias difíceis. A crise está afetando profundamente a cabeça dos brasileiros. No trabalho, a pressão por bons resultados é intensa e a ameaça de perda do emprego, constante. Quem foi demitido sofre a angústia de tentar se recolocar profissionalmente e se deparar com as portas cada vez mais fechadas. Nas mídias, as avalanches de más notícias econômicas e políticas desenha um cenário asfixiante, de perspectivas pouco animadoras para este ano prestes a findar e o que se inicia. Essa atmosfera tão pesada começa a produzir repercussões na saúde mental dos brasileiros.
A associação entre crises e doenças psiquiátricas é algo indiscutível aos olhos da ciência. A última grande lição sobre como uma coisa leva inexoravelmente à outra veio com o choque financeiro no qual os Estados Unidos e a Europa mergulharam no fatídico 2008, com sequelas desastrosas para muitos países como Portugal, Itália, Espanha, principalmente a Grécia, em que boa parte da população sofreu pesadamente de ansiedade e de depressão.
Ansiedade e depressão são enfermidades diferentes, mas passíveis de serem desencadeadas em tempos complicados. Isso porque são resultado de uma combinação que inclui desde mecanismos desenvolvidos pelos homens ao longo de sua evolução até falhas na construção da resiliência - a capacidade de cada um em resistir às pressões. No caso da ansiedade, trata-se de um estado necessário à sobrevivência. É ela que ajuda o corpo a se preparar para uma situação adversa, ameaçadora. Por isso, vem marcada fisicamente por respostas que deixam o organismo pronto para reagir: aumentam a pressão arterial e o batimento cardíaco e deixam o cérebro em alerta. O problema é quando esse estado de prontidão não se desarma.
Na depressão, a reação é outra. Duas das marcas da enfermidade são a apatia e a extrema dificuldade de enxergar novas perspectivas, a luz no fim do túnel. Circunstâncias difíceis - como as experimentadas atualmente no Brasil - engrossam o caldo propício à manifestação ou ao agravamento de ambas as características.
Um ponto comum no desencadeamento da ansiedade e da depressão é um processo fisiológico que tem por trás o estresse crônico - algo que tende a se acentuar em dias como os atuais. São cada vez mais evidentes as constatações científicas de que submeter a mente ao estresse durante períodos mais extensos promove mudanças no cérebro que deixam as pessoas mais vulneráveis às duas enfermidades. Do ponto de vista médico, o ideal é a adoção que combine medicamentos ansiolíticos e antidepressivos com psicoterapia cognitivo-comportamental. Cresce a busca por ajuda.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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